sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Caroline Moura Nº: 8

Uma noite de inverno
Era tarde e como sempre eu observava o céu. Fazia dois anos, mas não parecia ser tanto tempo.
A primeira guerra mundial acabou com a paz na nossa ilha. Muitos soldados Italianos feridos na guerra eram mandados para cá, já que é uma ilha tão pequena que passava despercebida aos inimigos.
Mas naquele dia, há dois anos, todos eles foram embora, só quem ficou foi Andreas, que ficou para cuidar de mim depois da crueldade que me fizeram.
Eu, um pato, que vivia uma vida boa e sossegada na lagoa mais limpa da ilha, fui a tentativa de arma mais cruel que podiam ter feito. Inspirados no presente grego dado aos troianos, instalaram uma bomba em mim poucos dias antes do fim da guerra, e pretendiam me dar de presente aos inimigos, mas para minha sorte a guerra teve outros rumos e chegou ao fim.
Muito ferido, se tivesse sido jogado na lagoa outra vez teria morrido, mas Andreas ficou para cuidar de mim, afinal ele se perguntava: “O que um ex-soldado fanho e agora manco iria fazer sem família em Veneza?”.
Agora, como toda noite, eu olhava o céu com medo de eles voltarem, e como se meu pior pesadelo estivesse acontecendo , vi chegando pela estrada uma figura humana estranha.
Corri para chamar Andreas, chamei sua atenção, já que ele não entende minha língua, mas com o tempo ele foi se adaptando as minhas atitudes e agora não era difícil ele me compreender, então rapidamente me entendeu e me seguiu até a janela.
Observando o estranho, ele resolveu sair para ver quem era.
Fui seguindo ele a distância, ele se aproximou do estranho, agora cada vez mais perto de nossa casa. Vendo ele de perto, percebi o quanto ele parecia com meu dono, e como ele estava diferente da figura que eu havia avistado. Ele parecia muito assustado e fraco.
Escutei ele dizendo para meu dono que seu nome era Paulo e que não sabia onde estava nem o que fazia ali, e que a única coisa que se lembrava era de ter encontrado um relógio e que quando foi arrumar as horas tudo ficara escuro, depois acordou na praia e veio andando em busca de alguém que pudesse ajuda-lo.
Eu sabia que aquilo era apenas umas das histórias que aqueles militares maldosos contavam para dominar a ilha e isso me irritava profundamente. Andreas não podia cair na historinha dele, não fazia sentido algum, mas quando vi, ele já havia convidado o estranho para jantar. Como podia ser tão ingênuo?
Eu estava revoltado, fiquei encarando aquele estranho, e tomei um susto, ele foi mudando de forma até se tornar uma pessoa completamente diferente do que era antes. Meu dono também estava assustado. Paulo então tentou acalmar Andreas e começou a explicar que quando tinha 12 anos, estava empinando pipa na rua, tinham muitos fios elétricos por perto e a pipa acabou enroscando. Na tentativa de tirar, acabou tomando um choque muito forte. Passou vários dias no hospital. Quando finalmente recebeu alta, começou a sentir-se diferente. No seu quarto, pensou um pouco no que teria acontecido se tivesse morrido, na reação das pessoas que conhecia. E percebeu que em cada rosto que pensava, ficava fisicamente igual a ela. Como se fosse uma mutação. Como não tinha total controle sobre o poder, ás vezes podia se tornar as pessoas que via sem nem notar.
Mais calmo, Andreas preparou o jantar e serviu o convidado, como já estava tarde disse para ele passar a noite ali e amanhã iriamos até o centro da ilha falar com o Crocodilo rei, talvez ele soubesse o que estava acontecendo.
Andreas estava mais calmo, mas eu não. Passei a noite observando nosso convidado, e ele adquiriu varias formas. Parecia que seu poder funcionava melhor de noite do que de dia.
No dia seguinte ele acordou assustado, mas depois de alguns minutos se lembrou de tudo que havia acontecido. Andreas levantou logo em seguida, tomamos café e começamos a caminhar em direção ao centro da ilha, teríamos que passar por uma trilha longa, pois era o único caminho seguro para humanos.
No caminho Andreas perguntou a Paulo como funcionavam seus poderes, assumo que eu também gostaria de saber, ele começou a contar, mas escutamos um barulho estranho, Andreas recuou e puxou Paulo para um lugar seguro e eu os segui.
Fomos entrando cada vez mais para dentro da caverna, então Andreas disse que iria verificar se a caverna era segura, pediu para esperarmos ali e foi entrando.
Depois de algum tempo, Andreas ainda não havia voltado e Paulo decidiu ir atrás dele, eu tentei impedir, juro que tentei, puxei ele pela calça, fiz barulho, mas eu também estava preocupado. O que será que teria acontecido com Andreas?
Logo soube que nossos medos não foram em vão, começamos a caminhar e depois de uns 200 metros caímos em um poço que parecia não ter fim. Nós caíamos, e caíamos, e nunca chegávamos ao fim, até que depois do que parecia uma eternidade caímos em uma superfície macia.
Levantamos e começamos a caminhar em direção da luz, depois de alguns metros chegamos a uma sala bem iluminada com algumas escadarias para descer, como em uma arena de teatro grego e no centro apenas uma figura de um homem caído chorando.
Paulo correu em direção a Andreas, eu fiquei observando.
Paulo perguntou a ele o que havia acontecido e ele lhe mostrou as fotos de uma bela mulher. Paulo ficou assustado e começou a tomar a forma de um rapaz, parecido com Andreas, mas nem tanto como na primeira transformação. Apesar da semelhança, este não tinha os olhos verdes de Andreas nem seus cabelos ruivos. Era uma versão mais velha e morena de Andreas.
Paulo perguntou quem era a linda morena na foto e foi ai que percebi que a figura que ele se tornara era uma mistura dos dois.
Andreas explicou que ali era a antiga enfermaria do exercito italiano que ela era a enfermeira chefe e também era o amor de sua vida, porém ele a deixara ir embora para cuidar de mim. Ela não queria ficar na Ilha com ele, mas ele não podia me deixar. Contou para ele toda a minha história e toda a crueldade que fizeram comigo.
Paulo então perguntou apavorado em que ano estávamos, e quando Andreas disse 1920 ele pareceu surtar. Disse que era impossível, mas depois de um tempo pareceu entender tudo.
Então ele começou com um papo estranho, disse que ele era do futuro e que, não sabia como voltara no tempo, mas sabia por que.
O motivo dele foi o que me fez tomar a decisão que eu tomei, não vi mais nada, não tinha motivo para viver. Ele queria me tomar à única família que eu tinha. Ele disse pra Andreas que era seu bisneto e que estava ali para unir ele com sua bisavó, pois senão, ele não poderia nascer. Disse para Andreas correr atrás de Lilian, o que foi estranho, pois não me lembro de Andreas ter citado o nome de sua amada. Parecia verdade, e se ele estava ali era sinal que Andreas correria para Lilian e iria me abandonar.
Minha decisão era acionar a bomba presa em meu peito. Sem mim para cuidar não teria nada que impedisse Andreas de ser feliz, então sai correndo.
Percebendo meu desespero Andreas veio atrás de mim, mas como era manco não conseguiu me alcançar. Ele gritava com seu jeito fanhoso:
- Pato, meu amigo, volta aqui!
Então Paulo correu atrás de mim, já estava voltando a sua forma original. Ele, ao contrario de Andreas, me alcançou, me pegou nos braços e foi me acalmando, dizendo que Andreas não iria me abandonar.
Chegando onde Andreas estava ele me colocou no chão e puxou uma carteira do bolso, retirando uma foto de dentro dela. Nessa foto apareciam Andreas e Lilian mais velhos, seguravam o que parecia eu mais velho e uma criança. Explicou que aquela criança era seu avô.
Agora tudo estava claro, iriamos para Itália e formaríamos uma linda família. Desisti da minha atitude precipitada.
Andreas nos levou até uma escada, subimos e logo estávamos de volta à trilha.
Depois de alguns minutos de caminhada chegamos à casa do Crocodilo, que nos recebeu muito bem. Mas o crocodilo já tinha uma visita, Lilian estava lá e segurava a criança da foto. Ela disse:
-Meu amor, me desculpe a demora, mas não pude voltar antes. Este é seu filho.
A alegria de Andreas era tão grande. Nunca vi meu dono tão feliz.
Lilian explicou que teve que voltar para Veneza, pois na ilha não tinha condições para ter seu filho, e não contou nada pois sabia que se ele soubesse iria me abandonar aqui, mas quando pôde pegou a primeira embarcação e voltou.
Denis, filho de Andreas agora com um ano, sorria para o menino atrás da porta, Paulo só observava aquela cena linda que também faria parte da sua história.
O crocodilo disse então que Paulo podia voltar para casa, pois havia cumprido sua missão de unir seus bisavós e num estalo de dedos o menino desapareceu.
O crocodilo então deu um relógio a Andreas e disse:
- Essa história vai se repetir.
Ficou pensativo por um tempo e logo em seguida pediu para nos retirarmos, pois esperava seu namorado chegar.
Fomos embora para nossa casa, onde vivemos felizes até o dia em que Andreas resolveu fazer uma viagem para o Brasil. Mas isso é outra história.

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