terça-feira, 23 de agosto de 2011

Lucas Correa Silva Nº:27

O Grande Poeta e o Pato-Bomba

“Dedico as próximas palavras ao meu grande amigo, que me ajudou a entender melhor a vida e me ensinou a enxergar o amor em um tempo de ódio. Onde quer que você esteja, espero que esteja bem. Obrigado, Jovem Poeta. De seu eterno admirador e amigo, Albert.”
* * *
Eu entrava em uma nova fase da minha vida. Já estava ficando grandinho e queria um pouco de independência. Não que eu estivesse de “saco-cheio” do Phill, é que chega uma hora em que precisamos lutar contra o mundo com os nossos próprios punhos, e foi isso que decidi fazer. Phill era meu dono, um excelente dono, que eu sempre chamei de pai. Phill contou que me encontrara no meio do mar enquanto pescava. Eu estava dentro de uma bacia, envolvido por um pano grosso que, concluiu ele, fora colocado de propósito e com muita cautela por algum indivíduo. Com extrema compaixão, recolheu-me à seu barco e passou a cuidar muito bem de mim, até eu completar 2 anos e resolver partir por aí para encarar a vida. Alonguei minhas patas, levantei o bico, e lancei-me ao mar. Não tinha rumo, não tinha destino, não tinha coordenadas, apenas a fé de que tudo daria certo.
Felizmente não demorei muito para achar um lugar pra ficar. Digo felizmente pois não era seguro ficar nadando pelos oceanos em pleno clima de guerra. Em 1920, dois anos depois do fim da Primeira Guerra Mundial, o medo ainda tomava conta de todo o mundo. Imagine se um submarino alemão me encontrasse, estava morto.
Eu encontrara um lugar para ficar rapidamente sim, mas não foi nada fácil instalar-me por lá. O local era uma ilha. Não muito grande, mas com uma área verde atraente. Parecia um local perfeito para se hospedar, pelo menos por um tempo. Nadei em direção à ilha tranquilamente, sem olhar para os lados. Antes que eu me desse conta do perigo que corria, vi passando à milímetros do meu bico uma boca comprida, enorme e extremamente assustadora, recheada de dentes que não foram feitos para acariciar ninguém, com certeza. Minha primeira reação, foi não ter reação. Fiquei parado. Minhas patas congelaram, meu coração congelou, e meus olhos se arregalaram, e se tivesse sobrancelhas elas estariam levantadas, e se tivesse testa ela estaria enrugada, tamanho fora a surpresa e o susto que levei. Era o Benjamin, o crocodilo Benjamin, guarda da ilha há vários anos. A ilha era para ele como uma casa, à qual poucas criaturas tinham acesso. Com uma cara assustadora e uma voz afeminada, Beijamin me perguntou o que eu fazia alí tão perto da areia de sua ilha. Não consegui responder nos primeiros segundos. Engoli a saliva, tomei coragem, e com uma voz que demonstrava imensurável temor, disse-llhe que precisava de uma lugar para ficar e me proteger das ameaças bélicas. Nesta hora, Beijamin devia ter percebido a minha inocência e sinceridade e liberou minha entrada na ilha. Com o tempo descobri que Beijamin não era nervoso, ou amedrontador como o conheci, mas sim amável e simpático, até de mais. Quando já ia adentrando a mata da ilha, Beijamin me chamou e disse: “Procure por Luan, ele te ajudará por aqui.”. Luan, precisava lembrar deste nome.
Meus próximos passos foram cautelosos. O susto de Benjamin me deixou em alerta. Com pouco tempo de caminhada vi um homem. Na verdade um garoto. Estava sentado de baixo de uma árvore enorme. Junto com ele estava um bloco de papel, uma caneta-tinteiro e um pote de tinta no chão. Você é Luan ? Sim, sou eu mesmo, disse com um sorriso leve no rosto. Esse foi nosso primeiro contato. À partir daí ficávamos mais próximos a cada dia. Com um tempo Luan começou a me contar sua história, que a princípio parecia difícil de acreditar e até comecei a achar que ele era louco.
Contava ele que viera do futuro à mando de Deus, que na verdade ele era um adolescente do século XXI. Deus teria feito contato com ele através de um sonho, e dito que seus pensamentos eram únicos na raça humana e que poderiam salvar muitas vidas, e transformar o mundo. Por essa razão, Deus o enviaria para a época em que chamou de “Início da Desordem”, que foi a Primeira Guerra Mundial, quando pela primeira vez o ser humano se empenhou à ferir e matar o próximo com tanta seriedade. Deus incumbiu Luan de mostrar a paz e o amor ao mundo, para que ele nunca mas se esquecesse destes sentimentos.
Fiz uma cara de descrença para a história que ele estava contando. Luan nem percebeu e prosseguiu...
Disse que este sonho era a última lembrança que tinha de sua antiga vida. Quando acordou do sonho, já estava em 1914, no início da guerra. Ele contou que uma mulher tinha o encontrado e cuidado dele durante todo o tempo que permaneceu convivendo com a sociedade. Nesta época que Luan começou a executar sua missão. Diante de uma sociedade completamente diferente da qual estava acostumado, Luan ficou abismado e passou a ter várias opiniões sobre coisas que presenciava e ouvia falar. Essas opiniões geraram seus poemas, crônicas, contos, frases soltas, artigos-de-opinião e todos os textos, que tinham um caráter iluminista e revolucionário. Suas palavras eram de revolta contra a situação que o mundo se encontrava. Ele empregava em suas escrituras intenções de paz, amor e compaixão. Mostrava que aquela situação em que o mundo se encontrava era desnecessária e ignorante, e que o caminho da paz e do respeito era o mais seguro e correto à ser seguido. Porém, ele fez uma observação dizendo que não publicava seus textos, e que muitos, aliás, tinham sido excluídos e jogados no lixo por ele mesmo. Nesta parte da história eu já tinha me esquecido que o pré-julgara louco há pouco tempo atrás, e estava atenciosamente ouvindo-o, impressionado com suas palavras.
Luan continuou com a sua história. Contou como tinha ido parar na ilha. Ele já não aguentava mais viver tão perto daquele clima de guerra onde ouvia falar de pessoas morrendo a cada minuto, ele abominava qualquer tipo de briga, imagine uma guerra. Decidiu então largar tudo e isolar-se completamente para tentar organizar sua mente que estava atulhada de pensamentos e sentimentos. Pegou um modesto barco e ofereceu-se ao horizonte junto com seus lápis, canetas-tinteiro e blocos de papéis. Ele não pretendia interromper sua produção literária, por isso levou tudo com ele. E ali, na ilha, o jovem se encontrava há dois anos.
O crepúsculo já declarava que a história tinha sido longa. Eu estava impressionado. Depois de ouvir tudo aquilo perguntei o que ele pretendia fazer dalí à diante. Ele me disse que estava colhendo textos para espalhar por toda a região costeira da Europa, e dalí, seriam divulgados por todo o mundo. Seguiu dizendo que seu arsenal já estava quase completo, e que à pouco tempo partiria da ilha para começar sua peregrinação. Excitei-me com sua segurança nas palavras e sua determinação. Já era noite, precisávamos dormir, e assim fizemos.
Com o passar dos dias Luan e eu fomos criando fortes laços de amizade. Também contei minha história à ele, inclusive a parte do assustador crocodilo que ele me contou o nome; Beijamin. Luan disse que Beijamin, apesar de seu jeito assustador e “machão”, era gay, o que confirmou minhas suspeitas. Depois de um tempo Luan apresentou seus textos que me deixaram estupefato, e a partir desse dia, passei à chamá-lo de “O Poeta”. O que mais chamava atenção em suas obras era sua sabedoria sobre a vida e sentimentos. Não existia nada parecido, era como se realmente ele tivesse vindo de outro mundo mais avançado intelectualmente. Cada frase, cada palavra, cada verso, surpreendia. Era incrível lê-los.
Vivíamos bem na ilha, nos dávamos bem, nos alimentávamos bem... Pena que essa fase de paz que vivi lá não durou mais de um mês, pois numa certa manhã alguém veio nos visitar na ilha, e eles não queriam saber de paz. Vou detalhar essa história.
Eu estava dormindo de baixo de uma pequena cobertura que Luan tinha feito pra mim. Acordei com uma agitação incomum que estava havendo na ilha, muito barulho, a água estava agitada, algo estava errado. Andei rumo a costa até que vi três embarcações atracadas na ilha. Eram embarcações luxuosas e requintadas, com uma bandeira grande dos EUA que flamejava ao vento forte daquela manhã. Era o governo norte-americano. Mas o que fazia ali? O que o governo viria procurar em uma pequena ilha de tão importante? Estas perguntas não ficaram muito tempo sem resposta. Quando olhei mais atentamente vi que tinha uma pessoa no meio de uma roda formada pelos navegantes. Ela estava ajoelhada, ensanguentada e não parava de receber socos e chutes. Para minha surpresa e tristeza, era Luan. Quando identifiquei seu rosto me veio uma vontade enorme de socorrê-lo de alguma forma, o que me impediu foi a coerência; como eu, um pato sem armas, sem braços, sem tamanho e sem nada, poderia socorrer Luan de pelo menos uns 60 homens armados? Eu apenas morreria junto com ele, e isso não ajudaria em nada. Mas felizmente Luan não morreu. Pelo menos eu não o vi morrendo. Depois de um tempo os navegantes pararam de bater nele e ataram seus punhos e seus pés, e colocaram algum tipo de pano em sua boca. Nessa situação Luan foi arrastado até uma das grandes embarcações, os navegantes subiram de volta nelas e se foram, levando o jovem poeta.
Eu estava assustado, mas principalmente muito confuso. Depois que as embarcações quase sumiram no horizonte resolvi descer até a costa da ilha. Lá, vi sangue no chão e marcas de botas na areia. Tive a ideia de procurar por Beijamin pra saber se estava bem. Bastou eu virar para trás para vê-lo lá no fundo. Caminhei com pressa até ele e tive outra surpresa quando me aproximei. O guarda e dono da ilha, Beijamin, estava morto. Com certeza foi morto pelos navegantes por lutar pela sua terra que tanto amava e cuidava há tanto tempo.
A única coisa que pensei nos primeiros instantes foi: “Por quê?”. “Por que tudo aquilo estava acontecendo?”. “O que o governo ia querer com um jovem garoto que vivia em uma ilha em pleno anonimato?”. Eram perguntas, perguntas que não paravam de gerar-se em minha cabeça. Eu estava triste, desesperado, descontrolado e com medo. Agora me encontrava sozinho na ilha.
Meus próximos dias na ilha foram iguais. Eu ficava sentado no mesmo lugar, pensando sobre o mesmo assunto. Luan, por que Luan? Um jovem tão inteligente que só queria mais amor e paz no mundo e pretendia promover estas ideias, por que ele? Por que não os donos destes exércitos responsáveis por matar milhares de pessoas inocentes? Estes sim mereciam uma surra. A única coisa que fazia era torcer para que o governo não tivesse matado o jovem poeta. Mas essa ideia parecia improvável pela violência com que eles trataram-no naquela triste manhã. Em pensar que Luan poderia estar morto, me vinha uma vontade de desistir de tudo. Tudo estava tão bem, nós estávamos se dando tão bem, por que tinha que ter esse fim trágico? Luan sequestrado aos socos, e Beijamin morto. Não conseguia entender.
Os dias foram passando e minha situação estava chegando à um momento crítico. Minha revolta chegou a um ponto vital. Minha decadência confirmou-se quando não encontrei resposta à uma simples pergunta; Por que continuar vivendo?
Não gosto de lembrar desta parte da história, mas já que me empenhei à contar, vou seguir até o fim sem omitir nada.
Eu estava extremamente triste com toda aquela situação. Não encontrava motivos para viver, entrei em profunda depressão. Finalmente cheguei à conclusão mais óbvia e ignorante que poderia chegar; suicídio. Suicídio era a melhor das opções, pensava eu. Acabaria com meus dias infelizes, acabaria com minhas perguntas, acabaria com minha dor. Obrigado Luan, por ter sido por pouco tempo o melhor amigo que já tive em toda minha vida, mas agora vou partir. Estava decidido.
Convicto de que iria acabar com minha vida naquele mesmo dia, subi até a mais alta montanha da ilha para me jogar do enorme precipício. Nada mais me faria parar, eu estava sozinho, ninguém podia me impedir. Depois de grandes esforços para chegar ao topo eu consegui, e lá, parei de frente à grande queda, parei de frente a morte. Levantei meu bico, despi uma lágrima de adeus, e um vento forte bateu nesta hora. Até cheguei a pensar que era Deus querendo que eu me jogasse logo e o poupasse do drama. Mas o vento acabou tendo outra função.
Ouvi um barulho. Barulho de folhas balançando logo atrás de mim. Resolvi virar para ver o que era, e havia um bloco de papel ali jogado no chão. Foi inevitável lembrar do Poeta. Em passos lentos me aproximei do bloco, agachei e verifiquei que era um dos poemas do meu grande amigo. Como ele fora parar ali? Imaginei que seria bem provável que ao ver a grande montanha, o Poeta tenha pensado em escalá-la com a expectativa de presenciar uma bela vista. Luan era amante da natureza, era um de seus temas preferidos na hora de escrever. Convencido disso, resolvi ler. E assim estava escrito:

“Querida mãe. Obrigado pelo sorriso de teu horizonte.
De minha felicidade, tu és a fonte.
Não exclui tuas virtudes de ninguém.
O que o rico vê, o pobre vê,e ninguém vê também.

Querida mãe. Obrigado pelas tuas cores alegres.
Que as gaivotas, devotas pelos ares seguem.
Tua água admira os olhos, pelos córregos, mata a sede.
Flui no ritmo da vida muito além de qualquer parede.

A liberdade está em tu, para nós é ilusão.
Destruímos e matamos, é nossa forma de oração.
Fecho os olhos e concluo, mãe, que não a tenho.
Tu respondes simplesmente me tocando com o vento.

Tua beleza faz-me esquecer da ausência de amor.
Do sofrimento, das mortes que o homem ocasionou.
Querida mãe. Me desculpe, vou explicar, tente entender.
O homem mata e destrói, por não tentar te conhecer.
Querida mãe. Devo dizer, que nunca vou esquecê-la.
Se estou vivo, é pela oportunidade de conhecê-la.
Tirar sua própria vida, é algo difícil de entender.
Se a vida é uma ilusão, tu me faz querer viver.

Querida mãe.”

Estas palavras me fizeram lembrar da vontade que o jovem poeta tinha de viver, e o seu amor pela vida. Ele dizia que a vida sempre valia a pena e que nunca podíamos abandoná-la, ela é tudo o que temos, é a nossa única certeza. Estas lembranças acertaram em cheio o coração de minha ignorância, e me fez perceber o erro que estava prestes a cometer. Mergulhado na solidão, alí, no alto daquela montanha, sozinho, apenas com a Querida Mãe, comecei a chorar. Chorava de felicidade, de saudade do Poeta, de tristeza, de angústia. “As lágrimas são as águas que transbordam do poço de sentimentos. O poço é completo com um pouco de cada sentimento, quando um deles se encontra em excesso o poço transborda, e as águas que caem são as lágrimas que expelimos. A lágrima é única coisa física que alma produz.”. Enquanto chorava lembrei dessas palavras do garoto Luan, e sorri. Um sorriso, e tudo acabara.
Enquanto descia a montanha fui pensando no que iria fazer dalí pra frente, e completamente influenciado pelos últimos acontecimentos, tomei uma decisão. Iria continuar o trabalho de Luan. Era o que deveria ser feito. Recolheria seus preciosos textos que vinha guardando há tanto tempo, e viajaria mundo a fora deixando um pouco de sua obra em cada costa, em cada praia, para que as pessoas lessem e conhecessem uma nova maneira de viver, um novo motivo para lutar pela paz. Eu sabia que esses textos causariam uma revolução na maneira de pensar das pessoas, e isso poderia mudar o destino da humanidade, então, eu tinha que fazer.
Utilizei um pequeno e velhíssimo barco que se encontrava atracado na areia da Ilha há anos para colocar todos os papéis que continham as obras de Luan. Liguei-me ao barco através de uma corda e joguei-me ao mar, desta vez, confiante e seguro de mim.
Nenhuma adversidade interrompeu minha viagem. Consegui espalhar as obras por toda a região leste da costa dos EUA e todo o litoral europeu, numa peregrinação que durou dois anos. Depois de completar a missão, voltei para a ilha, onde me encontro agora escrevendo essas palavras e contando a história de como o Grande Poeta, como agora era chamado, tornou-se esse grande ídolo mundial, e como foi a minha experiência de conviver com esse grande humano que todos agora amavam.
Oito anos já se passaram desde que terminei a peregrinação. Me encontro agora nos últimos meses de minha vida. Já estou velho como um idoso humano de 108 anos de idade, e achei necessário contar essa história à humanidade. A história da relação entre o Pato-Bomba, e o Grande Poeta. Pato-Bomba sou eu, é assim que fiquei conhecido pelo mundo por ter levado aos países e as pessoas, realmente, uma bomba de conhecimentos através das obras de Luan. Na medida em que os textos ganhavam importância, pessoas que estavam nas praias nos dias em que fui até elas para jogar os papéis, alertavam que quem trouxera os textos fora um pato. O pato, tornou-se Pato-Bomba depois que os textos tiveram repercussão de nível global.
O que aconteceu com Luan? Nunca se soube. Até hoje ninguém sabe de seu paradeiro. Se morreu ou se está vivo, ninguém sabe. O que sei é que rezo por ele todos os dias e que agora, ele é conhecido como o Grande Poeta, admirado por todo o mundo. Sua missão foi cumprida, ele mudou a história.
Depois de um tempo eu descobri que os textos que Luan escreveu e jogou no lixo quando ainda morava nos EUA, foram os responsáveis pelo seu sequestro. Eles tinham chegado nas mãos do governo norte-americano que já previa a revolução que aqueles pensamentos causariam se chegassem ao conhecimento popular, então, resolveram caçá-lo. Como eles o encontraram? Beijamin. Beijamin contou tudo sobre o paradeiro do poeta para o governo, pois não imaginava quais eram as intenções dele. Refletindo hoje-em-dia eu acho que estava enganado. Beijamin não morreu assassinado pelos navegantes, ele suicidou-se por remórcio.
Vivo tranquilamente hoje-em-dia, esperando meu fim eminente. Eu, a ilha e a Querida Mãe, agora, motivo do meu viver. O dia está lindo.

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